[Gufsc] Ser radical: um ponto tocado pelo movimento do SL

Wagner Saback Dantas wagners em das.ufsc.br
Terça Março 1 13:23:01 BRT 2005


Olá, Francisco!

Muito obrigado pelo texto, meu amigo. Li-o com muito calma, como que
para me permitir refletir bem. Quem não leu, leia. Quem leu, guarde a
reflexão e o escrito, pois são válidos.

E que fique bem claro, sem jamais querer impôr aos queridos colegas e
amigos de lista: Software Livre é idéia, é força motriz aos
acontecimentos técnicos, sociais, políticos e econômicos que nós vemos
por aí, é ser radical.

Para concluir, um trecho muito enfático do texto, o que prefiro reduzi-lo a
seguinte relação:  A -> B

A: idéias + nosso mundo + argumentação 
B: resultados concretos + transformação

O trecho:

"Não queremos, porém, com isso dizer (...) que o radical se torne dócil
objeto de dominação. Precisamente porque inscrito, como radical, num
processo de libertação, não pode ficar passivo diante da violência do
dominador. Por outro lado, jamais será o radical um subjetivista. É que,
para ele, o aspecto subjetivo toma corpo numa unidade dialética com a
dimensão objetiva da própria idéia, isto é, com os conteúdos concretos
da realidade sobre a qual exerce o ato cognoscente (sua militância)."

Grande abraço,
Wagner.

> Date: Thu, 17 Feb 2005 13:52:04 +0100
> From: franciscogick em free.fr
> Subject: [Gufsc] Radicalismo
> To: gufsc em das.ufsc.br
> Message-ID: <1108644724.421493742e53d em imp3-q.free.fr>
> Content-Type: text/plain; charset=ISO-8859-1
> 
> E aí, este é um texto que eu acho interessante para qualquer MILITANTE de
> qualquer CAUSA.
> Estou enviando pois nos considero MILITANTES, e também por causa de algo que li
> algumas vezes nesta lista: "não podemos ser radiacais", segundo Paulo Freire (e
> eu concordo), DEVEMOS!
> 
> Até mais
> Francisco
> 
> Radicais e Sectários
> 
> Trecho da introdução do livro “Pedagogia do Oprimido” – Paulo Freire.
> 
>  A Sectarização é sempre castradora, pelo fanatismo de que se nutre. A
> radicalização* pelo contrário, pelo contrário é sempre criadora, pela
> criticidade que a alimenta.Enquanto a sectarização é mítica, por isso
> alienante, a radicalização é crítica, por isso libertadora. Libertadora porque,
> implicando no enraizamento que os homens fizeram, os engaja cada vez mais no
> esforço da transformação da realidade concreta, objetiva.
> 
> A Sectarização, porque mítica e irracional, transforma a realidade numa falsa
> realidade, que, assim, não pode ser mudada. Parta de quem parta, a sectarização
> é um obstáculo à emancipação dos homens. Daí que seja doloroso observar que nem
> sempre o sectarismo de direita provoque o seu contrário, isto é, a
> radicalização do revolucionário. Não são raros os revolucionários que se tornam
> reacionários pela sectarização em que se deixam cair, ao responder a
> sectarização direitista.
> 
> Não queremos, porém, com isso dizer (...) que o radical se torne dócil objeto de
> dominação. Precisamente porque inscrito, como radical, num processo de
> libertação, não pode ficar passivo diante da violência do dominador. Por outro
> lado, jamais será o radical um subjetivista. É que, para ele, o aspecto
> subjetivo toma corpo numa unidade dialética com a dimensão objetiva da própria
> idéia, isto é, com os conteúdos concretos da realidade sobre a qual exerce o
> ato cognoscente (sua militância).
> 
> Subjetividade e objetividade, desta forma se encontram naquela unidade dialética
> de que resulta um conhecer solidário com o atuar e este com aquele. É exatamente
> essa unidade dialética a que gera um atuar e um pensar certos na e sobre a
> realidade para transformá-la.
> 
> O sectário, por sua vez, qualquer que seja a opção de onde parta na sua
> “irracionalidade” que o cega, não percebe ou não pode perceber a dinâmica da
> realidade ou a percebe equivocadamente. Até quando se pensa dialético, a sua é
> uma “dialética domesticada”. Esta é a razão, por exemplo, porque o sectário de
> direita que (...) chamamos de “sectário de nascença” pretende frear o processo,
> “domesticar” o tempo e, assim, os homens. Esta é a razão também porque o homem
> de esquerda, ao sectarizar-se, se equivoca totalmente na sua interpretação
> “dialética” da realidade, da história, deixando-se cair posições
> fundamentalmente fatalistas. Distinguem-se na medida em que o primeiro pretende
> “domesticar” o presente para que o futuro, na melhor das hipóteses, repita o
> presente "domesticado", enquanto o segundo transforma o futuro em algo
> pré-estabelecido, uma espécie de fado, de sina ou de destino irremediáveis.
> Enquanto, para o primeiro, o hoje ligado ao passado, é algo dado e imutável;
> para o segundo, o amanhã é algo pré-dado, prefixado inexoravelmente. Ambos se
> fazem reacionários porque, a partir de sua falsa visão da história,
> desenvolvem, um e outro, formas de conceber o presente “bem comportado” e o
> outro, o futuro como predeterminado, não significa que se tornem espectadores,
> que cruzem os braços, o primeiro esperando a manutenção do presente, uma
> espécie de volta ao passado; o segundo, à espera de que o futuro já “conhecido”
> se instale. Pelo contrário, fechando-se em um “círculo de segurança”, do qual
> não podem sair, estabelecem ambos a sua verdade. É esta não é a dos homens na
> luta para construir o futuro, correndo o risco desta própria construção. Não é
> a dos homens lutando e aprendendo uns com os outros, a edificar este futuro,
> que ainda não está dado, como se fosse destino, como se devesse ser recebido
> pelos homens e não criado por eles.
> 
> A sectarização, em ambos os casos, é reacionária porque, um e outro,
> apropriando-se do tempo de cujo saber se sentem igualmente proprietários,
> terminam sem o povo, uma forma de estar contra ele. Enquanto o sectário de
> direita, fechando-se em “sua” verdade, não faz mais do que o que lhe é próprio,
> o homem de esquerda, que se sectariza e também se encerra, é a negação de si
> mesmo. Um, na posição que lhe é própria; o outro, na que o nega, ambos girando
> em torno de “sua” verdade, sentem-se abalados na sua segurança, se alguém a
> discute. Daí que lhes seja necessário considerar como mentira tudo o que não
> seja a sua verdade. “Sofrem ambos da falta de dúvida”. O radical, comprometido
> com a libertação dos homens, não se deixa prender em “círculos de segurança”,
> nos quais aprisione também a realidade. Tão mais radical, quanto mais se
> inscreve nesta realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la.
> Não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o desvelamento do mundo. Não teme o
> encontro com o povo. Não teme o diálogo com ele, de que resulta o crescente
> saber de ambos. Não se sente dono do tempo, nem dono dos homens, nem libertador
> dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar.
> 
> Se a sectarização, como afirmamos, é o próprio do reacionário, a radicalização é
> própria do revolucionário (...).
> 
> Santiago, Outono de 1968.
> 
>  *Radical, provém da palavra grego Radiculus, que significa raíz, sendo que
> radical então é ir a raiz dos problemas, às suas causas, às suas origens.
> 

-- 
Wagner Saback Dantas
http://www.das.ufsc.br/~wagners



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