[GUFSC] urna eletrônica, começando o debate. ..

Ricardo Grutzmacher grutz@terra.com.br
Wed, 14 Aug 2002 15:05:14 -0300


Para começar a ler sobre a urna eletrônica, sugiro começar pelo portal 
Voto Seguro: http://www.votoseguro.org/

Depois leiam os artigos que indiquei e mais estes aqui:

Não se esqueça de comentar e sugerir perguntas na lista!

Obrigado,

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1) Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/cadernos/cid140820021.htm

VOTO ELETRÔNICO
Confusão entre segurança e sigilo

Pedro Antonio Dourado de Rezende (*)

"É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar", disse o rei ao 
Pequeno Príncipe. "A autoridade repousa sobre a razão. Eu tenho o 
direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis."

No clássico de Saint-Exupéry há lições para nossa vida democrática. 
Somos pioneiros na informatização total do processo eleitoral. Nesta 
aventura, os instrumentos do processo se desmaterializam em bits, sua 
natureza não muda. Muda apenas a de seus instrumentos. O que pode 
emprestar-lhe confiança coletiva segue sendo a medida de sua 
transparência, e não o sigilo, nele restrito à autoria do voto.

Em processos sociais com vários interesses em jogo, a falta de 
transparência induz tentações para trapaça ou conluio em quem sabe 
demais. Só se pode neles buscar segurança através do controle de risco 
às tentações, e, portanto, num delicado equilíbrio entre transparência e 
sigilo. Este entendimento está nas regras dos jogos de azar, 
contabilidades financeiras e leis eleitorais. E sua falsa percepção 
atinge os alvos de vigaristas, estelionatários e ilusionistas.

Mas, na informática, o senso comum tende a confundir segurança com 
sigilo. Os interesses seriam, apenas, ou dos que fazem ou usam um 
sistema, ou dos que dele abusam. Quem usa raramente sabe analisar ou 
construir um, vendo-se compelido a confiar em quem o fez. Com a 
informatização de tais processos, o senso comum entra em crise e põe em 
risco a cidadania que aqueles sustentam. No processo eleitoral, o 
direito de fiscalização se torna assim mais crucial. A Lei 9.504/97 dá 
aos partidos o direito de ampla fiscalização nos softwares do processo 
(art 66). Porém, a regulamentação do dispositivo ocupou o centro de uma 
crise.

Amor à liberdade

Em recente debate na TV Cultura, perguntado da possibilidade de fraude 
por meio de inserções maliciosas nos softwares, o presidente do TSE 
admitiu-a em tese, mas retrucou com uma pergunta retórica: quem iria 
inseri-las, se ninguém de fora tem acesso aos softwares? A pergunta já 
traz a resposta: alguém de dentro. O desafio é apresentar os softwares 
sem abrir, com isso, brechas à inserção maliciosa de fora. Apresentá-los 
antes que entrem na urna, como ocorre, por exemplo. Porém, como saber se 
o que irá na urna depois é o mesmo que foi mostrado? Por que não 
mostrá-los durante ou depois?

Infelizmente, o equilíbrio não pode ser decretado com argumentos de 
autoridade. Estes podem, ao contrário, gerar desconfiança. Exemplos: 
prometer ao Senado mostrar todos os softwares e voltar atrás na véspera 
da apresentação, com argumentos técnicos posteriormente desmentidos pelo 
relatório da Unicamp. E depois, quando judicialmente interpelado, 
engavetar e ignorar a violação do dispositivo, como na eleição de 2000. 
Ou manobrar no Legislativo para esvaziar a eficácia de novos mecanismos 
de equilíbrio, como o voto impresso em paralelo (por que antecipar o 
sorteio para verificação do voto impresso para a véspera da eleição?)

Tanto é que, após refazer as promessas para esta eleição, desta vez à 
Câmara, o presidente do TSE foi judicialmente interpelado para que as 
expressasse em atos normativos. Alegar, em resposta, que ninguém pode se 
achar credor daquelas promessas, ou que já as havia instruído tendo a 
tal instrução tocado apenas em duas das oito que proclamou, são outros e 
novos exemplos.

E mais. O preço pelo "conhecimento" dos softwares só foi divulgado no 
ato da apresentação aos partidos, em 5/8/02: compromisso formal e 
irrestrito de manter todo esse conhecimento em sigilo [veja, abaixo, 
reprodução do teor do "Termo de Compromisso de Manutenção de Sigilo"]. 
Código Penal e o escambau. E agora, José? Quem critica o sistema 
analisando sinais externos é tido por paranóico: critica sem conhecê-lo 
por dentro. E quem o critica pelo conhecimento interno é criminoso: 
viola o compromisso de calar-se a respeito.

O Pequeno Príncipe pôde chegar ao 325 e aconselhar-se com o rei porque 
amava sua liberdade de pensamento e expressão. Também amo a minha. 
Renunciei à indicação partidária e dispensei a mordaça. Prefiro carregar 
com humildade o estigma, em paz com minha consciência. O que já conheço 
me basta. A segurança do TSE pode não ser a do eleitor e meu compromisso 
é com a cidadania.

(*) Professor do Departamento de Ciência da Computação Universidade de 
Brasília



"Termo de Compromisso de Manutenção de Sigilo"

"Eu, _______________, portador do documento de identidade nº 
____________, expedido em ___________ comprometo-me a guardar sigilo 
acerca de tudo a que tiver acesso ou de que tiver conhecimento, na 
qualidade de representante credenciado do Partido ou Coligação 
Partidária ____________, por ocasião da 'Análise dos Programas a serem 
utilizados nas Eleições de 2002', no Tribunal Superior Eleitoral, 
facultada pelo art. 66 da Lei nº 9.504, de 30.9.97, com a redação dada 
pelo art 3º da Lei 10.408, de 10.01.02, submetendo-me às penalidades e 
demais conseqüências previstas na legislação, em especial o disposto nos 
arts 153, 154, 325 e 327 do Dec. Lei nº 2.848, de 7.12.40 (Código Penal 
Brasileiro), no art 207 do Dec. Lei nº 3. 689 de 3.10.41 (Código de 
Processo Penal), nos arts 13 e 14 da Lei nº 7.170, de 14.12.83 (Lei de 
Segurança Nacional), nos arts. 1, 2, 3, 4 e 5 da Lei 8.027, de 12.3.90 
(Normas de Conduta dos Servidores Públicos Civis), nos arts 116, 117 e 
132 da Lei número 8.112, de 11.12.90 (Regime Jurídico Único); no Decreto
número 1.171, de 22.6.94 (Código de Ética Profissional do Servidor 
Público Civil do Poder Executivo); nos arts 4, 5, 23 e 26 da Lei número 
8.169, de 8.1.91 (Lei dos Arquivos), no Decreto número 2.134, de 27.1.97 
(Documentos Públicos Sigilosos) e no Decreto número 2.910 de 29.12.98 
(Normas para Salvaguarda de Documentos, Materiais, Comunicações e Sistemas).

E como assim me comprometo, sob as penas da lei, assino o presente Termo 
de Compromisso, em presença das testemunhas abaixo nomeadas.

Brasília DF, ____ de agosto de 2002

assinatura do representante do partido politico

testemunha (nome e RG)

testemunha (nome e RG)"


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2) Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/caixa/cp140820026.htm

VOTO ELETRÔNICO
Desinformação institucional

Realmente as evidências de que a democracia é violada de forma tão 
primária no Brasil nos envergonha perante o mundo. Tanto por termos nos 
deixado enganar desde a invenção do inusitado inexistente "programa 
virtual seguro", intocável, como o "voto seguro". Aceitamos como 
reeleição a imposição de FHC, até agora, pela nossa inércia diante de 
tamanha evidência, como a impunidade caminha de mãos dadas com a 
mentira. Como a mídia faz parecer a idiota idéia de que a imaterialidade 
do voto é segura, legal e constitucional, enquanto a própria razão nos 
adverte do contrário.

O pior de tudo é sabermos que os idiotas estão no poder, tendo 
perspicácia para declarar que a água é jazida finita, no intuito de 
cobrar por ela, contrariando o direito de todos terem acesso a ela. 
Contrariando a ciência daquilo que aprendemos no primeiro ano do ensino 
básico, o ciclo da água.

Contrariando toda a ciência da computação, com o mesmo grau de 
imbecilidade, os governantes afirmam que o voto virtual existe, sendo 
que toda a ciência comprova que a água é renovável e só por esta sua 
qualidade existe vida no planeta; com a mesma lucidez a ciência da 
computação diz que não há segurança na informática, e por esta mesma 
qualidade é que pode servir à criatividade humana de maneira quase 
infinita, sendo sua qualidade principal, pela qual, para se limitar esta 
capacidade, é necessário que seja o voto materializado no ato de votar, 
naquele instante, sendo visto e aceito pelo eleitor, como expressão 
secreta da sua vontade.

Apresenta-se como principal evidência de fraude e de má fé o fato de ser 
tão simples resolver os problemas com a impressão de todos os votos, e 
não o fazerem. A insegurança não pára por aí, há muito mais a ser 
desvendado, mas a mídia mente e se perde pela "ridicularização" do 
mentiroso, que é evidente para todos, menos para ele mesmo, que acha que 
está enganando e pode enganar facilmente.

Jefferson Abreu


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3) Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/cadernos/cid310720021.htm

VOTO ELETRÔNICO
Segurança da urna e a alma da cidadania

Pedro Antonio Dourado de Rezende (*)

Uma portaria do Tribunal Superior Eleitoral de 19/7 regulamenta a 
fiscalização nos softwares da eleição de 2002. A importância? Eleição é 
tripé: votação, apuração e fiscalização. Uma falha em qualquer das 
pernas pode derrubar a democracia que nele se equilibra. A 
informatização tende a robustecer duas em detrimento da última, razão 
pela qual a mais admirada das democracias restringe a desmaterialização 
do voto, para preservar seu delicado equilíbrio.

Quanto a nós, temos sucumbido ao fascínio da tecnologia como panacéia: 
informatização total. De pronto se esquece do painel do Senado. E quem 
avisa que o tripé assim balança é chamado de conspirador, retrógrado, 
paranóico. No mito, Ícaro disse o mesmo de seu pai ao alçar vôo rumo ao 
sol. E nos EUA, auditores contábeis de incestuosa criatividade também o 
dizem dos críticos, ilustrando o comportamento de manada do "homo 
gananciosus".

Com a informatização, o cerne da fiscalização se desloca. Da vigilância 
nas urnas e na apuração para a confecção, instalação e operação dos 
softwares. Porém, bits não são fáceis de serem vigiados. O grande 
desafio é saber se, no dia da eleição, os programas em ação são os 
mesmos antes auditados. Auditoria de software se faz com conhecimento 
técnico, protocolos e técnicas criptográficas próprias. E não com 
notinhas na imprensa ou argumentos de autoridade.

O deslocamento impõe-nos uma barreira de competência que pode ser 
explorada para romper limites éticos a possíveis interesses incestuosos 
na "modernização" da segurança eleitoral. Pela troca de um modelo 
objetivo e maturado em lutas civilizatórias, de equilíbrio entre riscos 
e interesses, por um modelo intersubjetivo no qual só cabem os do TSE e 
os de etéreos hackers, com o TSE nos dizendo onde podem estar aqueles e 
o vácuo cultural do deslocamento absorvendo a troca.

A eleição de 2000 se deu com softwares inauditáveis, ao arrepio da lei 
9504/97, com solenes promessas oficiais quebradas sob argumentos ad 
hominem. Homens "garantindo" o software à prova de fraudes, sendo eles 
os mesmos com legítimo acesso necessário para introduzi-las; e de forma 
indevassável se o software inoculado for inauditável. Desta vez, novas 
promessas e poucos detalhes na portaria, há menos de duas semanas da 
auditoria.

Argumentos de autoridade

Como o fiscal irá verificar se o software na urna será o mesmo que foi 
auditado? Nada é dito. Todos os softwares serão auditáveis, como reza a 
lei 9504/97? Fala-se de alguns. Fala-se, também, de um termo de 
compromisso que o fiscal terá que assinar. Será que o fiscal terá que 
prometer nada impugnar para poder auditar? Enquanto isto, a mídia abre 
espaço para autoridades eleitorais, assessores técnicos de partidos 
(inclusive do PT) e até colunista social ou ex-presidente da Sociedade 
Brasileira de Computação (SBC) defenderem obscurantismos, desmentirem as 
novas promessas do presidente do TSE ou apresentarem a fiscalização como 
uma esmola aos paranóicos de plantão.

Um colunista reitera a garantia do presidente do TSE e dá o recado: ele 
reconhece boa-fé na maioria dos incrédulos, ignorantes que são do 
funcionamento do sistema. Sofisma-se. Quem descrê não o faz de boa-fé 
por desconhecer o sistema, mas sim porque não lhe é dado conhecê-lo. Há 
aqui uma clara inversão de soberania, na premissa implícita sobre quem 
deve confiança a quem. Doutra parte, será que o TSE veria má-fé nos que 
buscam conhecer o sistema por meios lícitos, à procura de falhas? Há 
indícios.

O XII Congresso da SBC promoveu um simpósio sobre o tema, em 18/7, em 
Florianópolis. Na pauta, análise do relatório da Unicamp e debate. O 
coordenador de programa comunicou-me que gostaria de me convidar, mas 
não poderia custear minha ida - só a de peritos da Unicamp, bancados 
pelo co-patrocinador, o TSE. Soube-se na véspera da desistência destes, 
e ofereci-me para ir no lugar, por minha conta.

Em assessoria voluntária a um partido, na apresentação das linhas gerais 
do sistema de 2002 no TSE, em 6/6, aberto a sugestões, eu havia proposto 
um protocolo criptográfico para verificação cruzada da integridade dos 
softwares auditados. Queria discutir a proposta, até agora sem resposta 
do TSE. O presidente do simpósio declinou, alegando já estar fechada a 
sua programação. Exceto para um convidado de última hora do TSE ao 
debate, que ainda iria confirmar presença: um deputado governista, cujas 
credenciais incluem a defesa intransigente do status quo do sistema e 
densidade eleitoral deveras atípica, com votações redondas e salpicadas 
pelo mapa de municípios.

Não fui o único especialista vetado. Afinal, é possível explicar como 
poucas linhas extras de código malicioso podem transformar as atuais 
garantias da votação simulada e votos impressos em meros truques de 
mágica. Num congresso acadêmico, as portas se abrem para políticos 
governistas que defendem o status quo do sistema, mas não para 
acadêmicos que, fiéis a seu rigor profissional, querem conhecer para 
crer e contribuir. É lamentável que associações de classe científicas 
atinjam esse grau de servilismo. Quanto às garantias, a um supremo 
magistrado convém reservar seus argumentos de autoridade para as 
sentenças, evitando desgastá-los no debate público sobre a alma da 
cidadania. A fé é pessoal e moralmente relativa.

(*) Professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade 
de Brasilia; http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/segdadtop.htm; 
MetaCertificate Group member http://www.mcg.org.br