[GUFSC] A revanche de Woodstock
Ricardo Grutzmacher
grutz em terra.com.br
Quinta Maio 20 20:47:27 BRT 2004
Por seu aspecto meio pós-Woodstock, pela natureza libertária de seus
integrantes, o software livre tende a ser visto como uma curiosidade, um
movimento de sonhadores incapaz de superar o poder financeiro das
grandes corporações. É mais que isso. Vamos por partes para entender por
que poderá vir a ser conhecido como a maior revolução gerencial da história.
Apenas no início dos anos 90 o Brasil descobriu a terceirização, a
contratação de terceiros para desempenhar trabalhos não-essenciais da
empresa. O início desse processo foi o modelo japonês de dividir as
grandes corporações em unidades de negócio para melhor avaliar o
desempenho de cada parte individualmente. Com as partes trabalhando de
forma independente, mas coordenada, era fácil substituir um elo menos
eficiente da corrente por fornecedores externos. Avançou-se no modelo, e
informática e logística permitiram que, nos anos 90, houvesse a implosão
das cadeias produtivas das grandes multinacionais, que passaram a
fabricar seus produtos com insumos adquiridos em várias partes do mundo.
Ao mesmo tempo, o avanço das modernas formas de gestão consagrava os
modelos horizontalizados, com pessoas de vários departamentos
interagindo em torno de um objetivo comum, sem relações de hierarquia
formais entre elas. A partir do exemplo italiano, o conceito do trabalho
em rede chegou às pequenas e médias empresas.
O terceiro setor também se beneficiou enormemente do modelo, quando
experiências inovadoras foram encapsuladas, as ações, padronizadas, e
foram criados indicadores e manuais, permitindo a sua reprodução, no
modelo das franquias.
A radicalização do modelo se deu com as comunidades de software livre, a
experiência que enterrou definitivamente o fordismo, somando as sementes
libertárias de Woodstock aos avanços da engenharia de projetos para
criar uma nova civilização. Não é um trabalho hierarquizado. Seus
fundamentos são a definição de um objetivo comum -no caso, o
desenvolvimento de um sistema operacional ou de um aplicativo. Depois,
um conjunto de protocolos e regras que devem ser seguidos para permitir
a compatibilização dos módulos. Cria-se a comunidade sem hierarquia, sem
comando, apenas articulando vontades.
A comunidade tem acesso ao código-fonte inicial e pode trabalhar em
cima, fazendo as implementações que bem desejar. A coordenação é dada
pela necessidade de compatibilidade e por um administrador incumbido de
analisar se cada módulo desenvolvido pode ou não ser agregado ao produto
principal.
Não há limites para a criatividade, demole-se o mito de que a patente é
ferramenta fundamental da inovação, junta-se o ambiente anárquico da
inovação em torno da disciplina do padrão, democratiza-se o
conhecimento, mas de uma forma tão profissional que pode se aplicar a
qualquer ramo da produção, da música às artes.
No início de junho, ocorrerá o maior evento de software livre do mundo,
em Porto Alegre. Administradores de todos os níveis, herdeiros de
Woodstock ou engravatados de Harvard: fiquem de olho no encontro, porque
é uma revolução irreversível rumo ao futuro.
Autor: Luís Nassif
Fonte: Folha de São Paulo
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